O Sítio do Também Não

Conta-se que certa vez, Alexandre, o Grande, se deparou com Diógenes na rua e lhe disse: “Eu sou Alexandre, o grande rei”. Ao que Diógenes lhe respondeu: “E eu sou Diógenes, o cão”.

segunda-feira, junho 27, 2005

A Velha Tômbola: Pinos e Cambalhotas de um Reconhecido Artista


    Em 1977 - note-se: há precisamente 28 anos! - escrevia Claude Bourdet*:

    "É fácil perceber o mecanismo particular que, no caso presente, incita à supranacionalidade. No que respeita aos alemães, a preocupação de acelerar o processo decorre, não só do comunismo e da fidelidade aos Estados Unidos, mas também da consciência da força da RFA e da certeza de que dominará tanto mais facilmente a Europa quanto mais completa for a integração e quanto mais ténues forem as barreiras nacionais. Quanto ao capitalismo francês e italiano, bem como aos partidos que o representam, mantêm ainda algumas veleidades nacionalistas, ou simplesmente chauvinistas, mas estas cederão perante a necessidade de se livrarem da esquerda, em Roma e em Paris. Hoje em dia, a burguesia francesa começa a considerar Chirac, que fala uma linguagem nacionalista, uma melhor protecção do que Giscard, que fala uma linguagem europeia. Mas, no dia em que se tornar claro que a verdadeira defesa da burguesia contra os trabalhadores não se situa no plano francês, mas sim no plano europeu, Chirac terá de alinhar rapidamente e podemos, desde já, apostar que esse experiente vira-casacas se tornará o melhor leader francês da batalha europeia contra a esquerda."



    Premonitório... ou muito mais que isso.


    *BOURDET, Claude, A Farsa da Europa, ed. forja, 1978, p.p. 55, 56

    Cão

    quinta-feira, junho 23, 2005

    "O não francês e holandês tiveram entre nós um primeiro e exuberante efeito:


      obrigar o PS, PSD e PP, em cerca de 3 semanas, a mudar radicalmente de posição e a admitir o princípio do referendo de tratados que visem a construção e o aprofundamento da União Europeia. Já não é mau"
      Fernando Rosas
      no debate sobre a "revisão constitucional": uma trapalhada desprestigiante!

      Sven Tarp (PC da Dinamarca):
      "A oposição ao Tratado Constitucional é, em sua essência, uma oposição de classe, o que demonstra com toda a clareza o NÃO francês que é um NÃO operário, popular e jovem. Esse caráter de classe da oposição é saudável e lógico, levando em consideração que a mesma constituição representa os interesses estratégicos de classe da ala dominante de grande burguesia financeira e monopolista da Europa" (...)

      "Em termos gerais e a longo prazo, só existem duas saídas para o atual impasse:
      * Ou a grande burguesia consegue impor seu projeto, depois de um período de "reflexão" (que na verdade será de pressão), por meio do atual texto do Tratado ou outro texto revisado, o que significaria uma derrota histórica para as classes populares e a anulação da maioria dos direitos sociais e democráticos conquistados ao longo dos últimos séculos e especialmente nos anos pós-Segunda Guerra Mundial;
      * Ou as classes populares conseguem impor uma agenda alternativa, que não somente repudie qualquer futuro Tratado mas também rompa com a lógica do mesmo projeto europeu do grande capital".

      o artigo completo: Aqui

      quinta-feira, junho 16, 2005

      “óh História anda pra trás,,, dá-me tudo o que eu perdi”,,,


        Os (sonsos) Liberais apologistas do “Sim” à Europa acabam de resolver expulsar Laurent Fabius da Direcção do Partido dito Socialista francês e a cortar as verbas de apoio à ATTAC, responsáveis pela cisão, ao invés dos adeptos do “sim” se demitirem eles mesmo como os principais responsáveis pelo fracasso.
        Num Universo em evolução, quem fica parado no tempo anda para trás. Assim, um Liberal só demora 20 anos a tornar-se Conservador, sem sequer mudar uma única ideia que seja.

        Os nostálgicos da “época dourada do liberalismo” induzem-se a pensar que o prosseguimento do processo de ratificações em curso do Tratado Europeu pelas cúpulas dirigentes seria assim como que uma “construção revolucionária” de uma Europa como um poderoso Bloco emergente na politica mundial, disposto a enfrentar a hegemonia americana e até talvez (quem sabe?!) a ultrapassá-la.
        Nada mais falso, embora se, na inversão do processo, passando este a ser determinado pela participação efectiva das populações, nada pudesse passar a ser mais verdadeiro.
        A construção de uma (impossível) Europa Liberal é falsa porque não existe um “povo europeu” titular de uma Constituição definida num processo de eleições democraticamente feita a partir das bases por uma Assembleia Constituinte. (Prof. Jorge Miranda)
        Por outro lado a actual construção pelas diplomacias desta espécie de “Estados Unidos da Europa” assenta economicamente nas regras ditadas pelo BCE, (Banco Central Europeu) o sucessor natural do Bundesbank da Alemanha vencida e principal veículo do investimento do Plano Marshall que fixou a reconstrução europeia do pós-guerra como um dos três pólos mundiais da hegemonia global americana (EUA,Europa e o tambem vencido Japão). Quando os arautos da Comissão Europeia nos dizem que (esta) Europa “tem de mostrar que mantem a sua capacidade de decisão e acção” é igualmente bom que se saiba que a actual “crise” se deve à proposta dos seis países que mais contribuem para a EU se proporem deminuir para apenas 0,92% da riqueza comunitária os seus contributos para o Orçamento europeu. Tal pressupõe que os remanescentes 99,08% das economias dos países europeus correm normal e livremente por dentro do sistema de dominação neoliberal dos Estados Unidos da América, o que lhes permite a criação de mais-valias aplicadas depois, por exemplo, na invasão do Iraque e na escalada bélica mundial como motor do capitalismo na sua fase de decadência, para alem da manutenção do escandaloso status ecológico de consumidores de 35% da energia gasta mundialmente, para mais empregues na subsistência de uma Sociedade aberrantemente desigual.
        Posto isto, na Cimeira de 16 e 17 dos lideres Europeus o que se discute são trocos,,,
        Como é que esta fuga para a frente dos liberais Conservadores se propõe construir a Europa discutindo menos de 1% dos seus orçamentos para a fundação do Poder Politico europeu, enquanto os 99% restantes continuam a alimentar o Poder Financeiro que obviamente se sobrepõe àquele? Trata-se de uma manipulação grotesca. Vote-se PS ou PSD vota-se sempre nas regras assumidas pelo Banco de Vítor Constâncio. Vote-se em quem votar, “vota-se” sempre no poder dos grupos Financeiros, e em ultima análise em Alan Greenspan, que com o monopólio da emissão de moeda é afinal quem determina as regras.
        A França e a Alemanha ao recusarem-se contribuir para o pagamento liquido das politicas guerreiras de Bush (como haviam feito com a “coligação”na 1ª guerra do Golfo) puseram em causa o Euro como moeda consentida como "partner" na exploração do resto do mundo, e as respectivas consequências na vida comum dos cidadãos europeus não se farão esperar, ou até nalguns casos estão já bem à vista.
        Sabia por exemplo que os seus impostos como português em crise mas “aliado” politicamente pelas Elites portuguesas aos Estados Unidos, financiam (entre muitíssimas outras coisas) 50 milhões de dólares para a construção de novas prisões no Iraque?

        xatoo
        DOSSIER CONSTRUÇÃO EUROPEIA

        NO RESEAU VOLTAIRE

        segunda-feira, junho 13, 2005

        Esperanças

        "Mais uma vez, ao dizer «não» de forma retumbante, no passado dia 29 de Maio, ao Projecto de Tratado Constitucional para a Europa, a França rebelde mostrou-se digna da sua tradição de «nação política por excelência». Com isso abalou o Velho Continente, suscitando de novo a esperança dos povos e a inquietação das elites estabelecidas. Reatou com a sua «missão histórica» ao mostrar, pela acção audaciosa dos seus cidadãos, que é possível escapar à fatalidade e à pesada inércia dos determinismos económicos ou políticos.

        Porque este «não» tem um significado central: ele assinala um corte na pretensão ultraliberal de impor, no mundo inteiro e em desprezo dos cidadãos, um único modelo económico – aquele que o dogma da globalização define.

        Este modelo já tinha suscitado, em meados da década de 1990, diversas resistências. Por exemplo, aquando do grande movimento social ocorrido em França em Novembro de 1995. Ou em Seattle (1999), onde nasceu aquilo que mais tarde – sobretudo após o primeiro Fórum Social mundial de Porto Alegre (2001), seguido dos acontecimentos de Génova (2001) – se irá chamar «movimento alterglobalista». E também em diversos Estados, da Argentina à Índia, passando pelo Brasil. Mas é a primeira vez que num país do Norte e no contexto duma consulta política institucional, uma sociedade tem oportunidade de dizer oficialmente «não» à globalização ultraliberal.

        Os editorialistas dos media dominantes, quais entomologistas debruçados sobre um insecto que julgavam ter desaparecido, tentam desfigurar o «não» maciço da França.
        Após terem feito uma campanha unilateral pelo «sim» denunciando o «populismo», a «demagogia», a «xenofobia», o «masoquismo», etc. dos seus adversários, quase todos eles se revelam incapazes de adaptar as suas análises à amplitude da sua derrota. Extraordinária presunção de notáveis que não compreendem – e ainda menos suportam - que o povo (palavra que só empregam pondo os dedos no nariz) se tenha recusado a alinhar pelos ditames do «círculo da razão» europeísta. Porque de facto foi o povo que voltou a trilhar o caminho do voto, tendo-se registado apenas 30 por cento de abstenções, contra 57 por cento há apenas um ano, por ocasião das eleições para o Parlamento Europeu.

        Esta mobilização, em especial nas camadas populares e também entre os jovens, a respeito de um tema árido – um texto de 448 artigos, sem contar os anexos, declarações e protocolos -, constitui por si só um inesperado êxito para a democracia. O povo voltou em cheio: ante a sensação de desapossamento, exprimiu a sua vontade de uma nova apropriação.

        A construção comunitária, desde os seus começos em 1958, e sobretudo desde o Acto Único Europeu de 1986, tem exercido sobre todas as decisões nacionais um crescente constrangimento. O Tratado de Maastricht (1992) e posteriormente o Pacto dito de Estabilidade e Crescimento (1997) retiraram aos governos duas das mais importantes alavancas da acção pública: a política monetária e a política orçamental. A terceira, a política fiscal, é cada vez menos autónoma, inscrevendo-se numa lógica generalizada de «concorrência livre e não falseada».


        Os cidadãos compreenderam que o Tratado submetido à sua aprovação «constitucionalizava», à escala europeia, a concorrência exacerbada, não apenas entre os produtores de bens e de serviços mas também entre todos os sistemas sociais, abocanhados numa espiral descendente. Não eram por certo os muitos medíocres «progressos» democráticos do Tratado que podiam contrabalançar o bloqueamento do modelo ultraliberal que ele induzia, tirando assim todo o significado às futuras consultas eleitorais.

        O «não» foi um voto extremamente informado, graças a milhares de encontros, debates e leituras, tendo figurado os livros sobre a Constituição, durante meses, nos primeiros lugares dos êxitos de vendas. Face à propaganda de Estado, secundada pela maior parte dos media, os cidadãos quiseram ter a sua própria opinião, nisso ajudados pelo incansável trabalho levado a cabo no terreno pelos múltiplos colectivos que espontaneamente se criaram em toda a França, em particular os comités locais da associação ATTAC, numa abundância de iniciativas que se mostrou digna da democracia…

        Terá este voto sido nacionalista? Não, foi maioritariamente pró-europeu. A este respeito não se enganaram os sindicalistas e militantes associativos de numerosos países da União que no seu próprio terreno ou através da sua participação na campanha em França se mostraram solidários com a aspiração a uma outra Europa, expressa pelas forças vivas do «não». Privados de referendo, muitos europeus pediram aos franceses que formulassem em seu nome um voto por procuração!

        Fora de França, houve quem interpretasse este «não» como um enfraquecimento da Europa face aos Estados Unidos, deixando a grande potência sem um contrapeso. Enganam-se porém os que assim pensam, porque a Constituição teria levado a União a alinhar ainda mais (em particular no plano militar) por Washington.

        Está criada uma nova situação, permitindo que se proceda a uma revisão geral dos valores e das regras relativos à vontade de se viver em comum na Europa. Esta vontade não poderá reduzir-se ao seu grau zero, o da liberdade de circulação dos capitais, dos bens, dos serviços, e até das pessoas. Deste ponto de vista, o «não» de 29 de Maio não fecha nenhuma porta. Em contrapartida, torna possíveis todas as esperanças."

        RAMONET, Ignacio, “Esperanças”, Le Monde Diplomatique, nº75, 2005, p.1.

        CÃO DE GUARDA

        quarta-feira, junho 08, 2005


        "Os cidadãos europeus podem e devem escolher. Essa é a primeira grande virtude a extrair da morte anunciada do presente tratado"
        Fernando Rosas, no "PÚBLICO", 8-6-2005

        Entretanto decorre uma sondagem no Expresso.Online onde à pergunta "Continua a fazer sentido que os portugueses referendem o Tratado Constitucional europeu?"
        57,24% respondem que não faz sentido (!) e
        40,79% dizem que faz, e apenas 1,97% não sabe ou não responde.
        Quando isto é entre uma élite decerto mais habilitada e com acesso aos computadores, o que dirá o "homem de rua" à ideia de nem sequer se fazer o Referendo e tudo continuar a ser decidido pelo Poder apenas pedindo depois aos cidadãos que assinem por baixo?
        Óbviamente há o principio de uma movimentação da "inteligentsia" tuga para a suspensão do Referendo, senão atente-se no que diz Pacheco Pereira no "Publico" de hoje (9/Junho):
        "PAC, PEC, financiamento da União, 'cooperações reforçadas' no euro, em Schengen, reforço dos poderes da Comissão, menos egoísmo nacional na coesão, tudo isto pode ser avançado e muito sem nenhum novo tratado".

        Repare-se bem: reforço "da Comissão", e não reforço do Parlamento!

        Buldogue

        terça-feira, junho 07, 2005

        SIM há muitos ...


          Mais que gritar SIM ou gritar Não, mais que anotar os insultos vindos (agora mais atenuados) do campo oposto, importa reconhecer que do lado do SIM também se esgrimem argumentos. É, pois, necessário examiná-los, sobretudo quando vêm de sectores muito próximos dos movimentos altermundialistas: do lado do SIM não estão apenas os banqueiros, as multinacionais e o mainstream político.

          Os argumentos brandidos por este SIM são genéricamente três: oposição ao unilateralismo dos EUA do Norte; avanço no desmantelamento do Estado-Nação; internacionalização da crise.

          O primeiro argumento é de raiz hegeliana e reconduz à política de blocos. Já tivemos experiência suficiente das suas consequências. Cria-se um monstro em mimese do monstro 'inimigo' e, depois, fica-se dele prisioneiro: enfraquecê-lo resulta na destruição do equilíbrio ... e disso também já temos experiência, veja-se o Leste Europeu pós queda do muro de Berlim (campeiam as máfias, a destruição e a guerra).
          Este argumento encerra-nos numa lógica de oposição e conduz-nos à reprodução no interior das relações geradas para o exterior: confronto, mentira, repressão.
          Por outro lado, a lógica da UE não é a de resistir à investida dos meios político-financeiros e construir um outro mundo, sem pretensões hegemónicas e coloniais, mas a de partilhar com o 'amigo americano' os despojos dos esmagados; de outro modo, como justificar a subordinação da política de defesa à OTAN e a colaboração com as agências americanas na vigilância e controlo dos cidadãos, adoptando, inclusivamente, uma política policiária similar derivada da noção de guerra preventiva? Exceptuando a questão iraquiana (e mesmo aí importa perguntar bem porquê), em que outros conflitos internacionais a Europa 'humanista' se opôs ao 'barbarismo' estadounidense?
          As mudanças constroem-se no dia a dia, resistindo às ordens da Ordem e compondo com os outros relações de paz e liberdade.

          O segundo argumento, creio, corresponde mais à manifestação de um desejo que a uma análise das consequências do Tratado. Aliás, muitos dos aspectos mais caricatos e mais negativos do Tratado (como a redução da 'carta dos direitos' a uma mera declaração de princípios ou a rígida imposição de políticas económicas, roubando toda a autonomia aos governos nacionais) decorrem, em meu entender, precisamente da sua incapacidade de superar o Estado-Nação. O próprio facto de se chamar Tratado que Institui uma Constituição o revela: é algo que pretende ser mais que um tratado e menos que uma constituição. Essa incapacidade releva mais de problemas institucionais (que fazer com as monarquias, por exemplo) que do carácter nacionalista dos povos europeus e é necessário atacá-los sem ambiguidades: eu não quero pagar os iates, os banquetes e o ócio dessa gente. Será a cáfila de burocratas instalados na administração da Europa a dizer, muito cordialmente, às famílias reais: os meus caros amigos desculpem lá, mas a malta decidiu prescindir de vocês. Tenham a bondade de abandonar os palácios. É que são património público (ou será que tudo aquilo é propriedade privada e ainda vamos ter de os indemnizar?)...?

          O terceiro argumento é, para mim, de difícil compreensão: a crise não é nacional, é internacional e estrutural e a UE não acabou ... nem acabará por via da negação pelas populações dos termos deste tratado. Não estou a ver hordas de jovens nacionalistas em revolta, munidos de baldes de cal e pincéis, traçando fronteiras à pedrada por essa europa fora e declarando pomposamente o carácter nacional da crise: é nossa! é nossa! a crise é nossa!; A crise de Portugal é sem igual; etc.

          RA

          domingo, junho 05, 2005

          Metafísica da linguagem ou crítica da retórica política


          Breves excertos iluminados do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa

          1- O Lirismo da vocação colonial. Os políticos mostram aqui que são também filósofos da história.

          "Inspirando-se no património cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana..." (Prólogo)

          Universais extraídos a ferro e fogo do sacrifício das singularidades outras. Da barbárie "emanava" o trabalho escravo que dialecticamente fez brotar dos corpos colonizados esta verdade eterna do Espírito, agora realizada diante de vós pela prestidigitação, perdão, pela transfiguração verbal e verbosa do Verbo.

          Crítica nominalista do universal: a universalidade é um nome que se emprega para designar a violência do singular sobre o singular.

          2- A Europa ou a Nau de Ulisses. Aqui temos o esplendor do "regresso a si" do Espírito, a hipoteca do corpo à memória e à imagem do futuro. O político como animal hegeliano.

          "... cientes das suas responsabilidades para com as gerações futuras e para com a Terra, prosseguir a grande aventura que faz dela [Europa] um espaço privilegiado de esperança humana." (Prólogo)


          3- A arte do oxímoro:

          "A União (...) vela pela salvaguarda e pelo desenvolvimento do património cultural europeu." (Parte I, Título I, Artigo I-3.º, 4)

          Unidade do incompatível. Aqui o político revela-se um cultor da dialéctica: unidade dos opostos, movimento contraditório do real. A cultura é por definição algo impossível de "salvar", a não ser que se isole completamente de toda a causalidade externa, ou seja, todo o factor de desenvolvimento, que é o movimento próprio de mutação (morte) da cultura. A frase pode ser reconduzida a estroutra: "velamos pela salvaguarda da tradição em barrancos, mas asseguramos o fim das touradas"

          4- A arte do non-sense

          Esta é simplesmente incomentável. Aqui o político revela a sua vera maestria barroca na modelagem conceptual.

          "A União empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente (...) numa economia social de mercado altamente competitiva" (Parte I, Título I, Artigo I-3.º, 3)


          Finalmente, para obviar à universalidade e à vocação universalista. Eis um texto ainda actual para reflectir a questao dos "direitos", da abstracção e da singularidade. (aviso aos mais susceptíveis: contém doses de metafísica materialista explícita)

          http://www.marxists.org/archive/lafargue/1900/xx/horse.htm

          spinozaisadog

          sábado, junho 04, 2005

          O Medo e o medo

          Não se ouve outra coisa: quem diz NÃO à Constituição, perdão, ao Tratado que Institui uma Constituição para a Europa, tem medo. Tem medo do desemprego, tem medo da concorrência, tem medo do futuro, do cão do vizinho, do periquito da prima, do sorriso do padre ... enfim, está aterrorizado. E no entanto ... no entanto é do lado do SIM que vêm os argumentos catastrofistas misturados com ingenuidades que insultam quem assiste ao espectáculo.

          Incapazes de responder à evidência cada vez maior da existência de dois mundos separados, embora definindo-se mutuamente, que produz um efeito de esquizofrenia social e política (os políticos já não falam cidadanês, vivem encerrados em jogos puramente abstractos cujas regras não têm suporte na realidade), são eles, os defensores do SIM que estão em pânico. Em pânico porque já só lhes resta a esperança, em pânico porque se tornam redundantes, porque os cidãos ousam pôr ideias a debate sobre modos de construir o futuro, porque os lucros, os tachos, as teias de cumplicidades estão ameaçadas e, pior que tudo, a democracia ameaça tornar-se uma exigência: o poder pode (ó suprema desgraça) cair na rua!!! - talvez por isso já se ouvem apelos à 'iniciativa dos políticos para superar o impasse', o que, em cidadanês, quer dizer: aprove-se pela porta do cavalo.

          Como diz uma canção já antiga: cuidado Casimiro, cuidado com as imitações

          RA

          Tratado ou Constituição?


            Parece-me que vai sendo tempo de os defensores do "sim" se decidirem. É que quando lhes convém falam-nos de um Tratado, sem mais nem menos poderes vinculativos que todos os anteriores - nesta linha de argumentação os defensores do "não" são uns temerosos alarmistas, porque a ratificação deste "grande compromisso europeu", o tal que não é o melhor, mas o melhor possível (numa moderna versão do Cândido de Voltaire), a sua ratificação, dizíamos, não submeteria - constitucionalmente - os diversos estados europeus ao cumprimento das mesmas directivas, nomeadamente, a sua submissão ao modelo socio-económico neo-liberal e rígido cumprimento do pacto de estabilidade.

            Por outro lado, contudo, quando lhes dá jeito proclamam o interesse de uma europa confinada a uma única constituição.

            Em que ficamos, afinal?



            O Cão

            sexta-feira, junho 03, 2005

            Subsidiariedade, Transparência, Democracia


              Já se tornou regra os defensores do SIM repetirem constantemente que os defensores do NÃO são-no por razões muito distintas, sendo impossível encontrar qualquer ponto de contacto, de consenso, entre uma maioria clara dos defensores do NÃO. Isto é obviamente falso, para além de escamotear o facto de haver imensas diferenças entre os defensores do SIM: aqueles que querem uma UE-potência contra os EUA vs. os que querem uma UE subordinada aos EUA; aqueles que querem uma UE mais social vs. uma UE mais neoliberal. A extensão do SIM vai desde Mário Soares a Paulo Portas.....

              Que consenso mínimo seria então possível de encontrar entre uma grande maioria dos defensores do NÃO nos vários países que compõem a UE, e que abrangeria inclusivé uma grande parte dos defensores do SIM?...

              Subsidiariedade, Transparência, Democracia.

              Subsidiariedade: as decisões devem ser tomadas o mais localmente possível, o mais próximo possível dos cidadãos.

              Transparência: todo o processo de funcionamento da UE, em particular todo o ciclo (desde o início) associado à tomada de uma decisão na UE, deve ser tornado transparente de modo a que qualquer cidadão da UE possa ter toda a informação relevante para compreender o que se está a passar e porquê, de modo a que possa intervir e dar a sua opinião a cada passo.

              Democracia: poderes acrescidos de decisão devem ser dados ao Parlamento Europeu (o que não quer dizer necessariamente passar mais competências para o nível Europeu), incluindo o poder de iniciar e aprovar legislação sem qualquer intervenção da Comissão Europeia, seguindo essa legislação de seguida para aprovação no Conselho Europeu e/ou num Senado Europeu (onde cada Estado tem igual representação, por exemplo 5 representantes); os cidadãos Europeus deverão ter a possibilidade de iniciativa legislativa, sendo o seu interlocutor directo o Parlamento Europeu.

              Quais seriam as consequências disto?.... A perda de poder da Comissão Europeia, do Conselho Europeu, e de todos os lóbis que se mexem à sua volta. A perda de poder das elites que julgam que sabem o que é melhor. E por isso o acima enunciado dificilmente será alguma vez posto à discussão por iniciativa própria dos políticos.....



              Pedro

              quinta-feira, junho 02, 2005

              Evolucionistas contra Criacionistas



              O primado da Lei e da Ordem livremente consentida por todos, contra a expansão Livre da Barbárie comandada apenas por uma pequena minoria de privilegiados

              O “Contrato Social” de Rousseau em que o Estado Social criado em Westfália resolvia conflitos e protegia todos os cidadãos, cada vez nos parece mais longinquo.
              O “sistema capitalista” sempre em expansão, contido então na acanhada e superpovoada Europa, “fugiu”, pela mão do liberalismo branco anglo-saxónico, para os grandes espaços, para a América, de onde após uma curtissima história, alastrou a todo o mundo, recusando agora todas as regras (Kyoto,Direitos Humanos,TPI, etc), enfim, sob o ponto de vista ecológico, estropiando “livremente” todo o planeta.
              A Globalização não é mais do que apenas o aumento do Comércio Livre – única forma da apropriação e da acumulação capitalista, continuar a ser viável.
              Ser “Livre” sem nada haver em contrário, excepto o “olhar de deus” é uma situação perigosa. Embora essa “liberdade” possa gerar uma pequena minoria de novos-ricos, faz no entanto nascer uma multidão de novos pobres. (segundo a Unicef, em Portugal são 2 milhões=20% da população), e pior que a miséria material é a miséria moral consubstanciada no Medo (do desemprego, da precaridade, dos emigrantes, do crime,,,)
              É neste ponto que estamos, e é aqui que as élites que se conseguiram já escapar à lógica interna dos Estados, cozinharam a chamada “Constituição Europeia”, sonegando informação às massas “plebeias”(já de si crónicamente deseducadas - diria até, intencionalmente estupidificadas pelo consumo macisso de doses cavalares de TV), pretendendo esvaziar de conteúdo qualquer debate.
              Foi nestas condições, que no Referendo em França, sob o olhar atento e vigilante do “big-brother Americano” (e pour cause) os “san-cullotes” votaram NON, e essa intenção alastra agora a toda a Europa.
              Esta é a época do fim do Estado Nacional tal como o conhecíamos, e o principio para a construção da Europa dos Povos e das Regiões autónomas, livremente federadas, única forma de destruir o Poder centralizado Único, o novo Fascismo que paira sobre o nosso Futuro.

              Todos os seres humanos, mesmo os menos inteligentes ou menos desenvolvidos, têm o Direito ao mínimo de respeito e a ter uma vida decente. Este é o principio do “Estado Social” que construiu na Europa um nível de bem-estar nunca antes visto na história da Humanidade. Este foi o modelo que foi construído respeitando a evolução e as relações entre as pessoas que por sua vez controlaram os seus organismos sociais e o sistema livre de troca de mercadorias, pondo o seu talento ao serviço da Sociedade e não, egoisticamente apenas ao dos seus interesses privados (um fundamentava o outro e vice-versa, segundo Hobbes).
              Esta situação está hoje subvertida!
              O total do valor das transações de “Mercadorias” actualmente não chega a atingir 10% dos valores das trocas de Capitais Financeiros, ademais que se paga 21% de imposto sobre 1 pacote de fraldas, e nada se paga ao Estado pela troca de 1 milhão de euros investido sabe-se lá em quê.
              É esta especulação dos Mercados de Capitais globais que desvirtuam os sistemas sociais e políticos nacionais,,, e foi para romper com isso que os franceses, como Povo com uma cultura e identidade próprias, votaram NÃO.
              O Povo francês deu a resposta à politica Neoliberal do Tratado Europeu e à politica de direita Liberal de Chirac que pretendia continuar a atrelar a Europa ao Imperialismo (agora sem as despesas de manutenção de colónias) de W.Bush.
              O Povo português dará a resposta em Outubro, e esperamos que Sócrates tenha então a mesma dignidade e ética de Raffarin e também ele se prontifique a ser demitido!


              Xatoo

              E Outros Virão

              Na Holanda, como era esperado, deu NÃO. 63 contra 37%.

              Continuarão a servir-nos o argumentário habitual?

              Também aqui não se discutiram questões ligadas ao tratado?

              Seremos obrigados a manter este jogo até ao fim?

              Poderemos aproveitar o tempo e a oportunidade para construir outra europa?


              Rafeiro Alentejano

              quarta-feira, junho 01, 2005

              O Texto e o Contexto


                Os defensores do SIM têm amiúde utilizado o argumento de que os defensores do NÃO não discutem o texto. Ora, pretendo que tem acontecido exactamente o contrário, discute-se demasiado o texto sem referir ao contexto.
                Tomemos o seguinte exmplo: o texto do tratado transforma o 'direito ao trabalho' consignado nas constituições nacionais num 'direito de procurar emprego'. Se dizemos 'eu não estou de acordo, pretendo que o texto refira explicitamente o direito ao trabalho', estamos a dizer que, no âmbito do capitalismo actual, é possível uma solução de pleno emprego. Ora, o desemprego é hoje estrutural e não deriva da falta de desenvolvimento mas do contrário: é uma consequência do desenvolvimento. Mais tecnologia, Mais desemprego. Informática e robótica tornam impossíveis políticas de pleno emprego.
                Portanto, o que o texto denuncia com aquela alteração é o facto de a distribuição da riqueza e a integração social não poderem mais depender do trabalho assalariado. Dito de outro modo, ele afirma a incapacidade do capitalismo para resolver os problemas das pessoas.
                Deste ponto de vista, o NÃO não pode dirigir-se à renegociação do tratado mas colocar-se para além dele: como construção de um outro 'comum'. Um 'comum' capaz de produzir um espaço de paz e liberdade, sem fronteiras físicas ou mentais.

                Rafeiro Alentejano