O Sítio do Também Não

Conta-se que certa vez, Alexandre, o Grande, se deparou com Diógenes na rua e lhe disse: “Eu sou Alexandre, o grande rei”. Ao que Diógenes lhe respondeu: “E eu sou Diógenes, o cão”.

domingo, junho 05, 2005

Metafísica da linguagem ou crítica da retórica política


Breves excertos iluminados do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa

1- O Lirismo da vocação colonial. Os políticos mostram aqui que são também filósofos da história.

"Inspirando-se no património cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana..." (Prólogo)

Universais extraídos a ferro e fogo do sacrifício das singularidades outras. Da barbárie "emanava" o trabalho escravo que dialecticamente fez brotar dos corpos colonizados esta verdade eterna do Espírito, agora realizada diante de vós pela prestidigitação, perdão, pela transfiguração verbal e verbosa do Verbo.

Crítica nominalista do universal: a universalidade é um nome que se emprega para designar a violência do singular sobre o singular.

2- A Europa ou a Nau de Ulisses. Aqui temos o esplendor do "regresso a si" do Espírito, a hipoteca do corpo à memória e à imagem do futuro. O político como animal hegeliano.

"... cientes das suas responsabilidades para com as gerações futuras e para com a Terra, prosseguir a grande aventura que faz dela [Europa] um espaço privilegiado de esperança humana." (Prólogo)


3- A arte do oxímoro:

"A União (...) vela pela salvaguarda e pelo desenvolvimento do património cultural europeu." (Parte I, Título I, Artigo I-3.º, 4)

Unidade do incompatível. Aqui o político revela-se um cultor da dialéctica: unidade dos opostos, movimento contraditório do real. A cultura é por definição algo impossível de "salvar", a não ser que se isole completamente de toda a causalidade externa, ou seja, todo o factor de desenvolvimento, que é o movimento próprio de mutação (morte) da cultura. A frase pode ser reconduzida a estroutra: "velamos pela salvaguarda da tradição em barrancos, mas asseguramos o fim das touradas"

4- A arte do non-sense

Esta é simplesmente incomentável. Aqui o político revela a sua vera maestria barroca na modelagem conceptual.

"A União empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente (...) numa economia social de mercado altamente competitiva" (Parte I, Título I, Artigo I-3.º, 3)


Finalmente, para obviar à universalidade e à vocação universalista. Eis um texto ainda actual para reflectir a questao dos "direitos", da abstracção e da singularidade. (aviso aos mais susceptíveis: contém doses de metafísica materialista explícita)

http://www.marxists.org/archive/lafargue/1900/xx/horse.htm

spinozaisadog