Vigilância electrónica da vida privada
O mesmo espírito preside ao que se refere à protecção da vida privada. Assim, a Constituição parece proteger os cidadãos da espionagem da sua linha telefónica e do correio electrónico ou da instalação de microfones e câmaras em casa (como está previsto na lei Perben, em França). O que é para admirar, diga-se de passagem, pois, desde o 11 de Setembro de 2001, a maior parte dos Estados europeus adoptou leis que oficializam a "big-brotherização" geral. A acreditar na Constituição, a vigilância electrónica dos cidadãos está proibida, embora não haja nenhum recurso previsto para as pessoas que sejam vítimas destas práticas:
artigo II-67, 1:
"Toda a pessoa tem direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, domicílio e comunicações."
Mas as explicações em anexo anulam totalmente este direito na prática. Basta que para isso a intrusão na vida privada esteja enquadrada pela lei e que seja necessária "à segurança nacional" (Bush mostrou que este conceito pode ser utilizado para justificar qualquer coisa), "à segurança pública", "à defesa da ordem" (duas noções muito subjectivas. Questiono-me se, por exemplo, e in extremis, a proibição de uma greve geral não poderá ser enquadrada no conceito de "defesa da ordem"), "à prevenção de infracções penais" (À prevenção, atente-se; portanto o cidadão poderá ser vigiado e controlado sem que nenhuma infracção tenha cometido! Trata-se aqui de regulamentar o conceito de segurança preventiva, co-extensivo ao conceito bushiano da "guerra preventiva". Esta disposição torna possível as prisões preventivas, como em "Minority Report", segundo o mesmo princípio das "guerras preventivas" de Bush), ou muito simplesmente, quando a espionagem da vida privada é necessária "ao bem-estar económico do país", ou ainda "à protecção da moral". (Perguntemo-nos o que poderá ser considerado moral ou imoral, e quem estabelece os parâmetros éticos de semelhantes juízos; este ponto pode transformar-se numa clara cedência ao fundamentalismo católico, por exemplo. Aliás, esta é uma tendência que tem vindo a manifestar-se com crescente esplendor, nos dias que correm. Basta recordarmos a recente proibição da campanha publicitária dos estilistas Marithé e François Girbaud, em França).
parágrafo 2 do artigo 7 do anexo 12:
"Não pode haver ingerência de uma autoridade pública no exercício deste direito senão quando essa ingerência está prevista na lei e constitui uma medida que, numa sociedade democrática, é necessária à segurança nacional, à segurança pública, ao bem-estar económico do país, à defesa da ordem e à prevenção de infracções penais, à protecção da saúde ou da moral, ou à protecção dos direitos e liberdades de outrem."
O artigo seguinte está recheado de explicações absolutamente incompreensíveis, dada a quantidade de remissões e referências a outros documentos ou tratados.
artigo II-68:
1. Toda a pessoa tem o direito à protecção de dados de carácter pessoal a si respeitantes.
2. Estes dados devem ser tratados legalmente para fins específicos e na base do consentimento da pessoa envolvida ou em virtude de um outro fundamento legítimo previsto na lei.
Toda a pessoa tem o direito a aceder aos dados recolhidos que lhe dizem respeito e a obter a sua rectificação.
Explicação a propósito do artigo II-68, artigo 7 do anexo 12:
"Este artigo baseou-se no artigo 286 do tratado que instituiu a Comunidade Europeia e na directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e no Conselho de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas físicas no que se refere ao tratamento de dados de carácter pessoal e à livre circulação desses dados (JOL 281 de 23.11.1995) assim como no artigo 8 da CEDH e na Convenção do Conselho da Europa para a protecção das pessoas no que se refere ao tratamento de dados de carácter pessoal de 28 de Janeiro de 1981, ratificada por todos os Estados membros. O artigo 286 do tratado CE é, a partir de agora, substituído pelo artigo I-51 da Constituição. Convém notar, igualmente, a regulamentação (CE) nº 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 18 de Dezembro de 2000 relativo à protecção das pessoas físicas, no que se refere ao tratamento de dados de carácter pessoal pelas instituições e órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JOL 8 de 12.1.2001). A directiva e a regulamentação pré-citadas contêm condições e limitações aplicáveis ao exercício do direito à protecção de dados de carácter pessoal." [compreenda quem for capaz...!]
Vigiar e punir, parecem ser os mais acarinhados lemas desta Constituição. Eis-nos "finalmente" num assumido "admirável mundo novo".
Mais uma razão para votar NÃO.
O Cão
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